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CUIDADOR INFORMAL

Família, amigos, vizinhos que prestam cuidados permanentes ou de forma regular a pessoas numa situação de dependência.

Em Portugal foi aprovado o Estatuto do Cuidador Informal que passou a reconhecer estes cuidadores.

Tetraplegia Espástica

Âncora 1

Julieta Boga, mãe de gémeas monozigóticas, agora com 21 anos, trabalhou até às 32 semanas, até que Joana e Beatriz decidiram que era a hora de nascerem.

 Durante o trabalho de parto, uma das bolsas amnióticas das gémeas teve uma fissura e houve alguma perda de líquidos. Por falta de incubadoras no Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira, Julieta foi transferida para o Hospital de Coimbra, onde as bebés nasceram no dia seguinte de parto normal.

Nasceram saudáveis, mas eram prematuras. Não conseguiam respirar sozinhas, por isso, para além da permanência em incubadoras, também precisaram de ser entubadas.
Como se isso não bastasse, ainda foi necessário receberem soro através de um cateter umbilical. Julieta relembra, “com a Beatriz correu tudo bem, mas na Joana houve uma falha humana por parte dos profissionais e ela apanhou uma septicemia, uma bactéria alojou-se na agulha e espalhou-se no sangue. Foi generalizada”.

A partir do segundo dia de vida, o estado de saúde de Joana começou a piorar. Teve febres altas, convulsões, paragens cardíacas e ainda teve de ser reanimada.
Por consequência, a falta de oxigénio no cérebro durante essas crises matou algumas células, que acabaram por deixar sequelas graves na “Joaninha”, nome pelo qual é carinhosamente chamada pela sua irmã gémea.

Com o diagnóstico a piorar, esteve onze dias em coma, sem se saber ao certo o que teria acontecido, já que não houve relatórios, nem manifestações por parte de nenhum médico. Mais tarde, foi submetida a uma ressonância magnética para avaliar as sequelas deixadas.

Joana foi diagnosticada com “Tetraplegia Espástica, uma paralisia cerebral profunda por falta de oxigénio no cérebro, onde a bactéria se alojou, na medula cefálica”, explicou, de forma desgostosa, a mãe.
A doença da jovem incapacita-a de controlar os próprios movimentos.  Ficou com surdez profunda, usa fraldas e a comida tem que lhe ser dada à boca.

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O médico que acompanhava as gémeas, sugeriu que pudesse ser um problema genético, no entanto, a Beatriz teria que partilhar as mesmas condições, mas, sendo ela uma bebé normal, isto não se confirmou.

Descontentes com as dúvidas acerca da origem da doença, a família passou cinco anos a realizar exames metabólicos e genéticos, no entanto, o desfecho foi aquilo que já se esperava. Negligência médica.

Um processo contra o tribunal era o mínimo a ser feito por aquela família, mas, tal como confessou Julieta, estes processos não são fáceis e, para além de burocráticos, exigem prazos para a realização de queixas e participações. “Se eu continuasse com o processo ainda me punham um processo a mim, porque eu estava a difamar a maternidade Daniel de Matos, onde elas nasceram. Então pensei que o melhor fosse parar, porque, para mim, era uma dor muito grande e eu queria tratar da minha filha. Um processo não ia remediar nada”.
O mal já estava feito.

A ajuda de Adriana, irmã mais velha das gémeas, e dos familiares mais próximos, foi essencial, mas a condição em que a Joana se encontra implica um cuidado permanente.
Julieta ficou desempregada, após o local de trabalho ter aberto insolvência, por isso, e já que a Joana precisava de cuidados tão específicos, resolveu focar-se apenas nas suas filhas.

A Joana e a Beatriz têm uma relação de grande cumplicidade, coisas de gémeas. Beatriz revelou que ainda fica magoada com os comentários maldosos e olhares curiosos feitos à sua irmã, mas defende-a sempre e mostra que o amor vence, independentemente da condição. A Beatriz partilha com a sua irmã um dos seus hobbies favoritos, que, curiosamente, servem para acalmar a Joana, quando ela está mais agitada. “Gosto de me sentar ao lado dela e cantar as minhas músicas favoritas ou, simplesmente, estar lá, estar presente, dar-lhe a mão, até que ela se comece a rir e a relaxar. É muito engraçado, portanto, de alguma forma, acho que temos essa ligação”.

As terapias fazem parte do dia-a-dia da Joana. Teve Terapia da Fala e Fisioterapia, desde muito nova, que ajudou a estimulá-la após as convulsões, através de massagens na boca, para aliviar as dores e para relaxar os músculos. No geral, para melhorar a sua qualidade de vida
Com o passar dos anos, a frequência de sessões de fisioterapia foi diminuindo, mas continuavam a existir. Aos 15 anos, o Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira, decidiu dar alta a Joana, alegando a não obrigatoriedade no tratamento de doentes crónicos.

Descontente com este desfecho, Julieta fez-se ao caminho e começou a procurar fisioterapia e acabou por ir parar a uma clínica privada. Pouco tempo depois, aperceberam-se de que esse tratamento não correspondia às necessidades da Joana.

Após sair da clínica, a jovem Joana começa a frequentar a Associação Portuguesa País e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM), durante o período em que Julieta decide tirar um curso de auxiliar de saúde, para conseguir adquirir algumas bases e perceber melhor os movimentos de fisioterapia, a fim de oferecer uma melhor qualidade de vida à Joana.
Mas ainda não foi desta que Julieta sossegou o seu coração, na expetativa de ajudar a filha, a instituição não apresentava fisioterapia, por isso, Joana ficava impossibilitada de exercer esse tratamento.

 “Nós sabemos o problema da Joana, e sabemos que não vai haver melhorias, no sentido de que ela não vai falar, ela não vai andar. Nós sabemos isso tudo, mas a fisioterapia é, sem dúvida, uma benesse para a qualidade de vida dela, porque os músculos não ficam tão atrofiados, ela fica mais relaxada, e torna-se muito mais fácil para a minha mãe e até para nós, para a sentar na cadeira, ou para lhe dar de comer”, explica a Beatriz.

A pandemia não beneficiou esta situação, mas Julieta decidiu passar a fazer a fisioterapia em casa à Joana, partindo daquilo que aprendeu no curso, para lhe aliviar as dores e fazer com que ela sentia mais relaxada.

A Joana gosta de atenção e é uma pessoa atenta. Se alguém entra na sala e não lhe diz nada, ela vai fazer de tudo para mostrar a sua presença.
O toque e as carícias da família são algo que não dispensa. Ela aprecia estar acompanhada por aqueles que mais gosta, isso deixa-a realmente feliz. E, ainda que as demonstrações de carinho e afetos sejam das suas coisas preferidas, não dispensa o balão amarelo, que lhe consegue arrancar umas belas gargalhadas, levando a que a própria família penso que o amarelo seja a sua cor preferida.

Em 2019, Julieta não descartou a possibilidade de procurar ter o reconhecimento do Estatuto de Cuidador Informal, inaugurado nesse mesmo ano. Foi reconhecida, sim, como Cuidadora Informal, mas não obteve qualquer tipo de apoio e ajuda monetária.
É obrigada a viver da pensão de invalidez da Joana, do subsídio à terceira pessoa e do complemento de pobreza, atribuído neste mesmo ano.
Julieta atenta que ter um cartão que a reconhece como Cuidadora Informal não é suficiente, porque aquilo que mais necessita é uma ajuda financeira, que não lhe é atribuída.

A família sabe e está consciente do estado de saúde de Joana, estando cientes de que a possibilidade de haver melhorias, em termos de recuperação, serão poucas, no entanto, procuram, sempre, dar-lhe a melhor qualidade de vida possível e todo o amor que lhes é possível, só assim, podem ter a certeza de que ela é feliz.

Dados de Cuidadores Informais 

Não há dados oficiais que quantifiquem o número exato de Cuidadores Informais. Segundo Maria dos Anjos, criadora da Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI), estima que, estatisticamente, haja “800 mil cuidadores informais, dos quais só 148 mil têm complementos já adicionados na Segurança Social. Mas desses 148 mil, apenas cerca de 5 ou 6 mil pediram o reconhecimento com Cuidadores e desses 5 mil, no mês de abril deste ano, apenas existiam confirmados, efetivamente, 2328 cuidadores”.

Um relatório de 2018, publicado pela Comissão Europeia e designado “Informal Care in Europe”, coloca em evidência os dados acerca da qualidade de vida da população europeia (EQLS). No nosso país, cerca de 13% da população é cuidadora informal, dos quais, 10% são pessoas com idade superior a 65 anos.

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O dia 5 de julho de 2019 marcou a aprovação do Estatuto do Cuidador Informal. Este Estatuto é uma medida de reconhecimento do cuidador, algo inexistente até esse ano, que acaba por beneficiar, através de apoios, a famílias que sempre o foram.

Maria dos Anjos, esclarece de forma inquieta: “Nós temos sido a entidade mais procurada pelos cuidadores para lhes tentarmos explicar o que é que a lei diz, o que aprova e o que traz de novo para os cuidadores. É um processo bastante burocráticos e a Segurança Social tem feito uma exigência muito grande, em termos de documentos.”

Segundo um estudo realizado pelo “Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais” entre os dias 3 de fevereiro e 11 de março, deste ano, mostra que, das 1133 respostas, 59,1% não conhece o Estatuto. No entanto, para aqueles que o conhecem, a grande maioria (77,2%) considera-o incompleto, tal como Maria confessou: “achamos, em conjunto na ANCI, que a lei é exígua e está, toda ela, insuficiente”.

A carreira atributiva das pessoas que cuidam não foi contemplada no Estatuto, por isso, as pessoas que cuidam, continuam a não ter direitos, tal como não os tinham, antes do estatuto. E, reforçando a pessoa que cuida, como se sabe, não é só família direta, e há mesmo quem faça disso uma profissão a tempo inteiro. Não estão contemplados na lei os vizinhos, os amigos, ou os colegas.

Maria dos Anjos, relembra: “a lei considera o descanso do cuidador, que é um aspeto bastante positivo, inclusive no domicílio, e isto foi um dos complementos acrescentados à última da hora. O que acontece é que até hoje, ainda ninguém sabe como funciona este descanso do cuidador e nem sabemos que custos irá ter, porque a priori sabemos que vai ter custos, quando o objetivo era que fosse gratuito”.

Para além deste descanso não estar esclarecido devidamente, ainda há outro tipo de formações e de cuidados que o Cuidador tem de ter para que possa tratar do cuidado, da melhor forma possível, o que implica um maior esforço, que causa um maior desgaste a nível emocional do que físico.

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Uma das lacunas mais observáveis no Estatuto é a exigência da mesma morada para o cuidador e para o cuidado. “O facto de se cuidar de alguém, não implica que não se possa ter uma morada própria e a Segurança Social está a obrigar que as pessoas tenham todas a mesma morada de residência no Cartão de Cidadão”, confessa, de forma cética, a criadora da ANCI.

A verba que é atribuída aos cuidadores continua a ser insuficiente e tem como forma de cálculo o rendimento do agregado familiar e de todas as pessoas que habitem nessa mesma casa. Se esse valor exceder os 548,81€, o cuidador não tem direito a subsídio, incidindo, de forma negativa, sobre grande parte das pessoas que pedem esse reconhecimento.

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Estes pais, amigos e vizinhos, que passam a vida a cuidar, fazem um trabalho que é impercetível aos nossos olhos, foi algo que tiveram de aprender de forma autónoma, com algumas adaptações às necessidades que vão surgindo ao longo da vida.

Marisa Matias, eurodeputada pelo Bloco de Esquerda e impulsionadora na criação do Estatuto do Cuidador Informal, confirma a necessidade de apoios urgentes a estas pessoas porque não é possível, nem admissível “chegar à idade de reforma e não terem quaisquer direitos associados, quando dedicaram as suas vidas a cuidar dos outros. Estas pessoas merecem ter uma carreira contributiva igual ao das outras profissões, porque é algo que o fazem a tempo inteiro”. Ao nível legislativo, embora o Estado já reconheça os Cuidadores, devem tentar colmatar-se as falhas que surgiram, e que continuam a surgir, associadas ao próprio Estatuto.

Ao nível europeu, não podemos glorificar-nos com este Estatuto, “ainda estamos muito longe daquilo que é necessário”, recorda Marisa, fazendo uma óbvia comparação a França, Espanha e aos países nórdicos, que se encontram mais avançados.

O estatuto, em si, é insuficiente e, o facto de ter sido aplicado em projetos piloto por 30 municípios, ainda o tornou mais. Foi por isso que o Bloco de Esquerda, aquando das candidaturas ao Estatuto, resolveu lançar uma Campanha Pública de Divulgação para este Estatuto. “Estamos a falar de cerca de 10% da população, que presta serviço público e que substitui o Estado em muitas áreas. São pessoas que se dedicam a cuidar, todos os dias da semana, sem qualquer apoio financeiro, e onde não existem, sequer, descontos para a Segurança Social, portanto, um dia mais tarde não terão uma reforma digna, nem decente”, refere Marisa Matias, de forma convicta, acrescentando ainda que toda esta situação e burocracia em volta do Estatuto é muito injusta porque “ainda falamos de uma grande percentagem da população e sobretudo de pessoas que estão demasiado ocupadas para poderem reivindicar os seus direitos”.

O Eurocarers é a primeira Associação Europeia que tem representantes das várias associações nacionais de cuidadores informais, como a Maria dos Anjos, da ANCI. A Associação Eurocarers reúne informações sobre a situação dos Cuidadores Informais, e tenta que, em conjunto com os representantes das várias Associações de Cuidadores Informais, se consiga avançar na proteção dos cuidadores e da legislação. “É uma plataforma que nos permite ter um bocadinho de acesso à realidade dos cuidadores informais”, confessa Marisa Matias, em tom convicto.

Encefalopatia Hipóxico-Isquémica

Depois da uma gravidez planeada, bastante controlada em hospitais públicos e em privados e um bebé saudável, Dânia Martins não precisava de esperar mais, o bebé ia nascer. O trabalho de parto teve de ser induzido e passado algumas horas nasce o pequeno Dinis, agora com 5 anos e diagnosticado com “Encefalopatia Hipóxico-Isquémica”.

Uma síndrome neurológica, relacionada com asfixia perinatal, que ocorre antes ou durante o parto e que provocou lesões graves em ambos os hemisférios do cérebro do Dinis.
Durante o trabalho de parto o bebé esteve em sofrimento durante algumas horas. Os seus batimentos cardíacos demoravam algum tempo até recuperar de uma contração para outra. Para além disso, já durante o parto, o seu nascimento teve de ser acompanhado por fórceps e ventosas, causando um traumatismo craniano grave ao Dinis.

“As utilizações desses instrumentos causaram um traumatismo na cabeça do Dinis, e quando nasceu, não respirava e o coração não batia, estava em morte aparente e teve de ser reanimado”, confessa, de forma desgostosa, Dânia.

Quando um bebé está em sofrimento e não consegue recuperar das contrações, os responsáveis devem preparar o nascimento a partir de uma cesariana, o que não aconteceu. Esta desvalorização é considerada negligência médica pela família de Dinis.

Foram instantes incertos. O parto foi difícil, descobriram-se vários problemas de saúde e o pesadelo parecia não ter fim. A revolta por todo este sofrimento foi agarrada por Dânia e com toda a vontade de ver justiça feita, apresentou uma queixa contra o Hospital Sousa Martins, na Guarda, onde o Dinis nasceu.

O hospital não forneceu toda a documentação necessária a Dânia, alegando “suposto” desaparecimento, por forma a que ficasse impossibilitada de fazer a queixa dentro dos prazos legais, obrigando a colocar uma ação em tribunal para obter toda a documentação. Dois dias depois da ação, já tinha os papéis.

A busca por justiça não se ficou por ali, embora a queixa ainda esteja em julgamento. Dânia queria perceber o que é que tinha, realmente, acontecido no dia do parto do seu filho, o dia mais feliz de uma mãe. Mas não neste caso.

Para além disto, colocou ainda uma queixa na Comissão de Apoio à Documentação Administrativa (CADA), porque o hospital não disponibilizou toda a documentação clínica necessária, algo que é, estritamente, obrigatório.

Pediu a análise dos documentos médicos a vários médicos espalhados pelo país, mas a resposta era sempre a mesma. Não queriam assumir o risco de estar a dar uma opinião contrária a colegas de profissão, por isso foi obrigada a passar fronteiras e a pedir a médicos espanhóis e italianos que, foram unânimes, e confirmaram a existência de negligência médica e de uma falha grave na monitorização do bebé durante o trabalho de parto.

O pequeno Dinis, nasceu em morte aparente e após a reanimação recuperou bastante rápido. Enquanto aguardava os resultados das análises foi transferido para os cuidados da neonatologia onde ficou numa incubadora, com temperaturas elevadas, que podem ter condicionado o diagnóstico do bebé. No entanto, não existem registos da avaliação das análises por nenhum médico que estivesse, aquela hora, no hospital.

Âncora 2

"O Dinis, durante a noite começou a ter convulsões generalizadas, por todos os membros, com paragem respiratória, entre 2 e 4 minutos. As convulsões duraram até à parte da manhã e não se conseguiam controlar, por isso, tiveram de ligar para o Hospital de Coimbra, para que o bebé fosse transferido para os cuidados intensivos daquele hospital. Em Coimbra, ele ficou uma semana em coma induzido, porque só nesse momento é que era possível travar as convulsões”, contou a mãe de Dinis.

O resultado da ressonância magnética ao cérebro não era animador. Tinha lesões muito grandes e extensas em ambos hemisférios, o que condicionava a parte cognitiva do Dinis, mas também a parte motora. Ele podia não sobreviver. “Disse-nos que tínhamos de estar preparado e, caso sobrevivesse, podia nunca mais vir a respirar sozinho, ou nunca poder ser alimentado sem ser por sonda”, recorda Dânia

Depois de um infundado diagnóstico dado por essa médica, Dinis acorda do coma e começa a fazer ciclos respiratórios sozinho, a beber leite, primeiro por seringa, depois por biberão e mais tarde até pelo peito, revelando uma recuperação muito positiva. Afinal ainda havia esperança.

Depois deste pequeno sinal de esperança, Dânia procurou, de forma autónoma, apoios externos, mesmo depois do hospital não ter feito nenhuma referência de que seria necessário.

O “quase impossível” deu alguma esperança a Dânia, para agarrar em todas as suas forças e percorrer Portugal de Norte a Sul em busca de tratamentos, que pudessem melhorar o desenvolvimento de Dinis.
O destino acabou por levou-los até Espanha, com a convicção de que conseguiriam melhorar a recuperação do Dinis, complementado os tratamentos que já fazia, um pouco por todo o país.

A fisioterapia, a terapia da fala, o tratamento da câmara hiperbárica, o método chileno, a psicomotricidade e a terapia ocupacional fazem parte dos cinco anos de vida do Dinis, que possibilitaram a recuperação que os médicos nunca esperaram.

Para melhorar as condições de vida de Dinis, Dânia viu-se obrigada a abandonar a Guarda e seguiram rumo a Lisboa, onde vivem desde os 3 anos do menino.
O facto de estarem na capital, permite tratamentos e terapias diárias que se encontram com maior facilidade.

“Nós logo desde início percebemos que iria ser bastante puxado a nível financeiro, mas o Dinis precisava. Investimos todas as nossas poupanças”, confessou-nos a mãe.
Um empréstimo foi um mal necessário a que recorreram, para puderem continuar a dar as melhores condições a Dinis. Uma sessão de método chileno implicava 50€, com a terapia da fala era descontado do seu orçamento 25/30€, a psicomotricidade implicava 35€ e para a terapia ocupacional mais 25€.   

Devido às exigências dos tratamentos e das deslocações, Dânia foi obrigada a deixar o seu emprego e a dedicar-se a tempo inteiro a Dinis, tal como Julieta e, com certeza, como muitas outras mães.
Ainda que esteja de “Licença de Assistência a Filho com Doença Crónica”, uma modalidade existente na parentalidade e prevista no artigo 53º do Código de Trabalho e na Segurança Social, em 2019, quando tentou ter o reconhecimento de Cuidadora Informal, os documentos vieram recusados, fazendo parte da grande percentagem de pessoas que se encontram na mesma situação.

“Quando começamos a percorrer o país, a fazer terapias mais intensivas, fomos para Espanha e eu acabei por criar uma página no Facebook, por um lado, para partilhar a história do Dinis e chegar a outras famílias que pudessem estar a passar pelo mesmo, porque eu, nos primeiros meses do Dinis, passei por uma fase muito difícil e muito dura de revolta e de isolamento muito grande”, explica Dânia.

Na azáfama que é a sua vida, com vários tratamentos diários, Dinis não deixa de ser uma criança feliz e sorridente.
Enquanto na vida de Dinis continuarem a existir tratores, jipes, ambulâncias e carros da polícia com as sirenes ligadas, vamos poder vê-lo genuinamente feliz. Algo que parece vulgar para nós, é para ele uma alegria imensa.

Adora passear e não dispensa, de forma alguma, o ar livre. Adora andar de bicicleta e de baloiço, mas quando se deita na relva e rebola nela, a gargalhada é certa.

Ainda que prefira o ar livre e a natureza, em casa diverte-se a pintar com aguarelas, brincar com carrinhos e fazer alguns jogos, como o bingo e o “jogo de pescar peixes”, de que ele tanto gosta.

Mas nem sempre foi assim, pelo menos para a mãe do pequeno Dinis.
O sofrimento de todo este processo, da revolta, da tristeza e de frustração, envolveu Dânia numa depressão profunda e nesse momento, nem o amor do Dinis e da família a puderam salvar. “Existe um evento traumático, que criou uma pressão na pessoa, eu tive um sofrimento físico muito grande e um sofrimento ainda maior ao nível psicológico, com o meu filho em risco de vida”, refere Dânia, de forma apática.

Só após alguns anos de profunda depressão, é que Dânia percebeu que precisaria de ajuda psicológica e psiquiátrica, visto já ter perdido algumas capacidades cognitivas. Já não tinha um discurso fluído, a memória estava muito curta e não conseguia sequer focar-se numa tarefa, nem dormir. Teve a coragem e a valentia de reconhecer que não estava bem e, assim meteu pés ao caminho e por iniciativa própria recorreu a apoio psicológico.

“Acho que não devia partir da iniciativa dos pais, terem apoio psicológico, acho que devia ser recomendado imediatamente”, declara Dânia de forma inquieta

Dânia faz uma retrospetiva desta fase mais sombria da sua vida, reforçando que “na última avaliação que foi feita ao Dinis disseram-me para estar descansada porque o Dinis era uma criança muito feliz e olhando para trás, e vendo o tempo todo que passei deprimida e tendo um filho que é tão feliz, a família acabou por cuidar toda do Dinis, porque ele tem uma família muito grande e eu acho que ele não se apercebeu da minha tristeza.”

Dânia continua a acreditar numa recuperação de Dinis, aproveitando todas as oportunidades e tratamentos que possam surgir e que sejam benéficos para ele e espera que o seu filho continue a ser de sorriso fácil.

A APACID é uma associação inovadora e diferenciada que trabalha em três dimensões.  Trabalha na intervenção psicológica, na formação das pessoas e ainda no suporte social, respondendo, assim, às necessidades dos cuidadores: “é preciso que ele reflita sobre essa tarefa, precisa de se perceber de que forma é que se pode intervir, de forma mais correta.  Precisa-se também de um suporte social, ou na família ou na comunidade e precisa-se ainda, da formação integrada, não só conhecimento sobre a doença que cuida, mas também o entendimento dele mesmo como cuidador”, reflete Lisneti Castro, presidente da APACID.

Os cuidadores informais que recorrem a um apoio emocional e psicológico ainda são muito poucos, tendo a APACID o objetivo de auxiliar os cuidadores neste aspeto, para que se sintam confortáveis na hora de recorrer a este auxílio.

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Devido às dificuldades impostas pela pandemia, a Associação sentiu a necessidade de criar um novo projeto que abordasse as carências dos cuidadores informais.
Esse projeto, aprovado pela Câmara de Aveiro, com o nome de: “Saúde Mental e a Atenção Psicosocial dos Cuidadores Familiares e Idosos que se encontrem dependentes de Cuidados da Pandemia Covid-19” tem o objetivo de os apoiar a nível psicológico e emocional através de atendimento presencial e online.

Pretende-se, com este novo projeto, acompanhar e aconselhar cuidadores que sofreram perdas de entes queridos na decorrência da pandemia, auxiliar na identificação de uma rede de suporte em caso de sobrecarga e ajudar a criar uma rotina ideal para o cuidador.

Estas razões fazem com que a APACID seja considerada uma Entidade de Apoio e Retaguarda Social para a Câmara Municipal de Aveiro.

Para a Associação, a lei que pretende reconhecer os Cuidadores informais “é muito complexa, criou critérios muito rígidos e que acaba por não contemplar muitos deles. Muitas pessoas que cuidam vão ficar de fora.”, explica Lisneti Castro. Pior que isso, só mesmo a burocracia que está associada, que leva a que muitos interessados desistam, ou que nem sequer tentem.

Mas Lisneti não se fica apenas por estas críticas, expondo o seu ponto de vista em relação ao lado mais humano, que o Estatuto não promulga. “Eu sei que tem que haver critérios, mas temos que ver o cuidador assim: ele recebe o subsídio da terceira pessoa, mas ninguém vive com esse valor; tem que se perceber que, normalmente, o cuidador deixa de trabalhar, está em idade laboral e já não volta a trabalhar e quando a pessoa que ele cuidada falecer? Ele vai viver do que? Tudo isso não foi pensado e precisa de ser pensado, precisa de ser revisto”.

Desde a sua aprovação, a lei não sofreu alterações significativas. Ainda assim, a APACID está confiante de que ainda se vão abordar estes temas de novo e fazer-se as melhorias necessárias.

Em Portugal, o número de Cuidadores Informais não dá tréguas e a tendência é aumentar. O Estatuto do Cuidador Informal foi um grande passo, mas, ainda permanece a incerteza sobre a sua eficiência.
Estas mães, têm juízos idênticos aos das Associações. Embora se tenha feito algo pelas pessoas que cuidam, durante toda a vida, o simples reconhecimento não chega. Há contas para pagar, pessoas para alimentar e os subsídios acabam por não ser suficientes.
Julieta conseguiu o parecer da Segurança Social como Cuidadora Informal, ao contrário de Dânia, no entanto, e no final das contas, é como se se encontrassem em pé de igualde, porque um cartão de identificação nada traz de melhor para a vida destas mães.

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